terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nelson Werneck Sodré - o que é História

Rio - 27.09.93

Prezado Acir da Cruz Camargo,

saúde e paz. Respondo sua carta de 16 do corrente. Fico muito satisfeito em saber de sua pesquisa sobre a minha obra. Grato por isso. A leitura dos autores que fizeram críticas à minha obra e ao ISEB é também merecedora de estima. Já tive a oportunidade de escrever que são os nossos adversários, adversários das nossas idéias, que fornecem o nosso verdadeiro perfil, justamente porque destacam o que não somos, o que é tão importante quanto o que somos. Respondo por isso com prazer ao questionário que acompanha a sua carta, ponto por ponto. Antes que me esqueça: o livro sobre populismo já foi encontrado e remete-lo-ei na próxima semana. Estou dependendo apens da pessoa que ficou de me trazer em casa exemplares desse livro. E vamos ao questionário.

1. O fato de autores da USP (só conheço um, aliás) me acusarem de seguir uma linha esquemática e estalinista não tem, para mim, a menor significação. Corresponde, apenas, a uma posição negativa que faz parte da luta ideológica. Nós, no ISEB, não postergávamos a luta de classes, absolutamente. O ISEB tinha vários professores e, conquanto, depois de grave crise, preponderasse ali uma linha marxista e nacionalista, a verdade é que ela comportava variantes. Alguns críticos, anti-isebianos por vários motivos, estavam mais à esquerda do que os isebianos, acusavam-nos, a nós do ISEB, de não sermos suficientemente esquerdistas. Acontece que eles, os críticos, não eram marxistas. Não fomos, pois, revisionistas, muito ao contrário. Voce pergunta: "Por que um marxista, num dado momento, deixa de pensar a luta de classes e sim uma aliança de classes". Ora, isso não deriva de desejos; deriva da realidade. Corresponde à necessidade de estabelecer aliança com uma classe para derrotar a outra, aquela que, na fase é, é a principal inimiga. Isso acontece com frequência na História e não depende apenas da vontade das pessoas.

2. Como conciliávamos, no ISEB, eu e os companheiros, a questão da luta de classes com a aliança com a burguesia nacional, naquela fase para enfrentar o imperialismo? O inimigo principal era o imperialismo. Os nossos críticos desejavam que, por fidelidade a um princípio teórico, abandonássemos a luta ou nos isolássemos. Havia, na burguesia nacional, contradições com o imperialismo. Isso nos aproximava dela; ou, antes, ela se aproximava de nós. Não me recordo das colocações do companheiro que escreveu Consciência e realidade nacional, livro importante que precisa ser lido com senso crítico. Claro está que jamais entendemos a aliança como esquecimento de que há uma exploração do trabalho, luta de classes. A aliança da fase não importava em ignorar isso ou negar.

3. Temos, realmente, a mais retrógrada burguesia, na História. Isso, entretanto, não importa em negar, na sua parcela nacional, contradições com o imperialismo, que é um dado da realidade. Enquanto ela aceita tais contradições, tem condições de lutar com o trabalhador, não para estabelecer o socialismo, mas para enfrentar, transitoriamente, um inimigo comum.

4. Sempre pensei que as teorias que defendi, na teoria e na prática, eram, e são aplicáveis a todos os povos latino explorados do mundo, particularmente aos latino-americanos.

5. O Fascismo cotidiano é um livro, editado em São Paulo, em 1990, pela editora Oficina de Livros (Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 469, s. 83, cep 01317-001, São Paulo).

6. Não tenho notícias de recentes comentários, resenhas ou críticas ao meu livro Formação histórica do brasil. Isto faz parte da política de abafar pelo silêncio, usual entre nós, na luta ideológica.

7. Não tive formação universitária em História. Sou, nela, um autodidata. No meu tempo, não existiam estudos universitários de História. Não havia faculdades de Filosofia, nem mesmo Universidades, nem Institutos de Letras. E a vida militar, depois, me impediu que, mesmo adulto ou velho, me matriculasse nas que apareceram. Os de formação acadêmica me criticam e alegam essa ausência de diploma para me negar. Na verdade, o ensino de História, nas Universidades, está muito distante daquilo que eu aceito como História. É uma forma de alienação. Já dei cursos em diversas Universidades, cursos avultos. Nunca exerci a cátedra universitária, nem desejo exercê-la.

É o que me acode para responder aos quesitos propostos. Fico ao seu dispor para mais. Um abraço ao Pedro, Outro em voce do

Nelson Werneck Sodré

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