Rio, 01.08.92
Prezado Acir da Cruz Camargo, saúde e paz.
Recebi e estou respondendo a sua carta de 28 de julho p. findo. Quero, preliminarmente, lhe agradecer os termos que tão generosamente se refere ao que tenho feito. As recompensas do trabalho intelectual são poucas, na verdade. Mas, entre elas, está, com enorme importância, a de proporcionar ao autor angariar amigos que ele não conhece, que são seus amigos tão somente porque apreciaram as suas obras. É extremamente reconfortante, quando isso acontece.
Passo a responder as suas duas perguntas. Sobre o analfabetismo, e a maneira de combatê-lo: como é sabido, o analfabetismo declina na medida em que o desenvolvimento material avança; assim em sociedades capitalistas avançadas (Alemanha, Estados Unidos e outras) o analfabetismo tende a desaparecer. O nosso, o brasileiro, está intimamente ligado e dependente do atraso do país. Na medida em que avançamos, progredimos, mesmo no nível meramente material, ele tende a declinar e está declinando. Pode, pois ser erradicado, sem nenhuma dúvida. As áreas socialistas praticamente acabaram com ele. Mesmo em Cuba, com seu passado colonial, teve êxito nesse propósito e não foi isto dos menores méritos do regime ali instaurado. Claro que a alfabetização e a cidadania são sempre conjugadas.
A segunda pergunta merece resposta mais circunstanciada. Claro está que a crise na União Soviética (que foi uma crise da União Soviética e não uma crise do socialismo) acarretou consequências em todo o mundo. No Brasil, acentuando uma linha que já dera alguns sinais antes, provocou o aparecimento de uma ala, no próprio PC, que marchou para uma revisão do partido e de tudo o mais que dizia respeito a sua atuação. Essa tendência, que já existia e progredia, aproveitou a crise para realizar, em dois congressos com pequeno intervalo entre um e outro, alterações que motivaram a cisão. Pessoalmente, tenho amigos nas duas alas e fiz o possível para que não chegasse a tal cisão. Tenho muitas dúvidas sobre se a abolição do símbolo histórico da foice e do martelo e a mudança do nome do partido significam mais do que problemas superficiais. Havia necessidade de mudar, realmente, algumas formas de proceder. Mas não havia que mudar, no meu modo de ver, o essencial da conduta partidária. Estou certo de que as duas alas estarão juntas, face aos problemas essenciais que se apresentarão no cenário político brasileiro. Como estou certo de que a crise na União Soviética está longe de ter chegado ao fim: é uma novela em seus primeiros episódios. Posso lhe assegurar, de mim, que estou, mais do que nunca, aferrado ao socialismo e ao marxismo, fora dos quais não vejo saída para a sociedade humana e para a brasileira em particular.
Creia na estima e apreço do
Nelson Werneck Sodré
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