Em 1992, Pedro Ferreira de Freitas e eu, acadêmicos, viajamos ao Rio de Janeiro, para participar de um congresso da UNE. Naquele ano e naquele momento, o presidente Fernando Collor de Mello sofria pesada artilharia das forças populares. No Rio de Janeiro, participamos de uma passeata, com milhares de pessoas e estudantes que tentavam impedir o recebimento de Collor pelo governador Leonel Brizola. Mesmo sob nossos protestos, o amadurecimento e paradígma Brizola, com quem deveríamos aprender muito, recebeu o presidente da República. O governador via com cautela toda aquela movimentação de estudantes e intelectuais contra o presidente e reportava isto como semelhante ao final do Governo Vargas. Hoje, creio que Brizola tinha razão em parte.
Estando hospedados na UFRJ, munidos de um mapa da cidade, Pedro e eu, depois que comprei um exemplar de "Formação histórica do Brasil", saimos à procura de Nelson Werneck Sodré, isto no dia em que retornaríamos ao Paraná. Achamos fácil. Foi uma grande surpresa tudo o que aconteceu.
Chegamos na Rua Dona Mariana e entre os prédios e arvoredos, encontramos o apartamento de Nelson Werneck Sodré. Apertamos a campainha e uma bondosa senhora nos atendeu pela janela. Era Dona Yolanda Frugoli Sodré, esposa do General. Nos apresentamos como estudantes, paranaenses, de História que aproveitando o congresso da UNE, tínhamos curiosidade em conhecer Nelson Werneck Sodré. "Nossa! podem subir, desculpem, o Rio é muito violento, por isso perguntei quem eram e o que queriam. Chegamos da missa e Nelson está saindo do banho". Eu, fundamentalista ideológico, jamais imaginaria o escritor marxista vindo da missa. Não quiz perguntar. Me assustei apenas. Sentamos e enquanto Dona Yolanda nos fazia as cortesias, descia da escada, um homem de paletó escuro, óculos densos, de baixa estatura e fomos apresentados. Fiquei um pouco inquieto e Pedro sentou-se, feliz e honrado, entre eu e Nelson Werneck Sodré, mas não tínha assunto. Eu resolvi pedir respaldo dele a minha ferina espada e intransigência em defender seus escritos e também me munir de respostas aos seus detratores. Perguntei-lhe o que achava do conceito de populismo. Eu me cansava de ouvir essa expressão nas aulas do curso de História. Ainda não abandonaram essa mania. Nelson Werneck Sodré me respondeu que esse era um termo muito usual em ciências sociais e deveria me acostumar a ele. Mas deu uma definição bem próxima do alcance dos novatos estudantes universitários, sem gravador e sem caderno para fazer anotações. Populismo é quando um governante procura atender revindicações que, seriam por natureza, dever do povo formulá-las. O populismo, disse, não é de todo mal.
Então, disse a ele que lera e ficara indignado com o livro ISEB: fábrica de ideologias, de Caio Navarro de Toledo. Werneck Sodré me respondeu que conhecia bem o livro e que se tratava de uma das mais abalizadas críticas que recebera. Era um livro respeitável e recomendável. Eu não entendia como um escritor que, no livro História e materialismo histórico no Brasil, detonava Caio Navarro, aqui se mostrava um homem dócil, humilde, acadêmico no sentido verdadeiro do conceito. Enguli aquela.
Falamos sobre o PCB, o surgimento do PPS. Nelson Werneck Sodré apostava que um dia essas facções se uniriam por um projeto de Brasil, que encampasse o interesse do povo brasileiro. Perguntei se o marxismo estava mais resguardado no PCdoB. "É o que eles dizem" me respondeu. O Pedro lhe perguntou sobre o futuro de Cuba e da China. Sodré nos respondeu que a China tomava um caminho sadio e inteligente de manutenção do socialismo. Cuba, não sabia até quando duraria.
Era um homem apaixonado pela juventude, gostava de ver nosso interesse pela sua obra, não era um homem de linguagem pedante. Depois daquela visita, troquei correspondência com ele até seu falecimento. As cartas que lhe enviei estão de posse e direito da Biblioteca Nacional do Brasil. Com o livro autografado, a promessa dele em me enviar o livro "O populismo", publicado por um deputado do PDT, saímos de sua casa para a rodoviária do Rio de Janeiro.
Nelson Werneck Sodré pautaria, de vez, minha interpretação da história do Brasil, até hoje.
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